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José Eugênio

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Crônicas

Singelas letras da imprecisão

Inspiração criativa nem sempre está presente, por isso a mente concentrada tecla lentamente. Os dedos sentem o suave toque do teclado, apoiados na palma que repousa na confortável textura. Lá fora, o barulho do liquidificador tritura a massa que, no entardecer, será torta. O sogro tosse. Onde estão as palavras que moldarão essa crônica? Será que cabe uma metáfora? O teto dos pássaros que esvoaçam na janela? As panelas batem, mas não é um protesto indignado, somente o barulho de quem limpa a louça.

A arte do escritor é a mesma que povoa as galerias de arte. Pode ter um brilho diferente, mas pode ressoar no leitor inspiração semelhante. Nuvens têm obscurecido o azul nesses dias de primavera. Mas o artista sabe que ele está lá, atrás do branco acinzentado que não chove. Recordando que já usou a metáfora nublada para descrever a beleza inédita escondida na melancolia, as cores vibrantes que pintam a monotonia. De repente, escuta um martelo. Será uma distração ou parte da sinfonia?

Tecer observações é fácil, difícil é extrair delas alguma filosofia. Já passou do meio-dia e o que escrevem os dedos não parece grande coisa, mas a mente insiste. Quer explicar o inexplicável: a difícil tarefa de expressar o sentimento com palavras pinçadas no tempo. Parágrafos surgiram em ritmo de poesia, mas o olhar na tela só enxerga a parte vazia. Espaço branco sem valor ofuscando as poucas palavras no enorme monitor. O esforço consciente aumenta. A busca pela frase certa também.

Os ouvidos tentam silenciar o ruído externo, às vezes sem sucesso. Uma pausa no teclar, um pensamento, a respiração suave. De repente, a mente sossega, encontra palavras animadoras. A música das letras retoma o processo. Não é fácil escrever, pior se nada escrevesse, mais triste ainda se ninguém lesse. Esse é um trabalho de pouco tempo, de um intervalo nas atividades profissionais. Aquelas que também me agradam, das quais escreverei um dia.

O ofício do escritor é uma tarefa delicada, nem sempre atinge o intento de transcrever a emoção, o prazer e a dor da vida. Esse tempo que dediquei, nessas breves expressões, foi para falar do esforço, da difícil arte de escrever. Onde a ansiada perfeição se traduz em singelas letras da imprecisão.

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