Wingene

José Eugênio

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Crônicas

Pensamento cotidiano

No conforto do meu quarto, uma cama Queen é ocupada apenas por mim, sentado. Um pijama quadriculado, um cobre-leito cinza atravessado por um enfeite tecido em linha multicolorido, uma blusa de lã verde jogada sobre a mesma. Quatro travesseiros. Uma cômoda estreita com objetos variados, dentre eles três porta-retratos que capturam momentos do casal e sua família. Um espelho calado, os computadores sem vida. Na sala, uma TV estridente transmite a novela. Não tenho vontade de assistir a essa melodramática e imensamente cruel trama.

Continuo no quarto, escrevendo no meu celular. Penso na minha esposa a estudar em outro bairro da cidade. Ela gosta da novela, eu sempre digo que é ruim. Às vezes assisto com ela. Deito-me de bruços, mantendo a escrita em uma posição mais confortável. O quarto acolhe outros elementos que deixo à imaginação do leitor recriar. Nesse momento, concentro-me na escrita.

O quarto agora não é somente um cômodo, é um refúgio que me permite desenvolver meu pensamento. Os objetos que me circundam não me perturbam. Fecho a porta, o som que vem da sala torna-se tênue. A sensação de paz produzida por estar longe do círculo vicioso em que vivia aumenta.

Das nuvens da rotina surge o céu azul do inesperado - aquele que só enxerga a mente consciente.


Cinco dias se passaram, estive absorto no cotidiano monótono, dias vivendo no piloto automático. De repente, um problema me impediu de manter essa enfadonha rotina. A conexão do computador com a internet caiu; desconectado, sou impelido a olhar ao redor. Vejo-a se preparando para caminhar, me apronto e saímos juntos, andando até a praça.

Os ipês-rosas estavam floridos, algumas flores caídas decoravam o chão como tapetes rosados. Pessoas andavam, outras corriam. O clima era ameno, sem ser frio. Um leve vento sacudia os tapetes, que pareciam ter vida.

No retorno, me envolvi a teclar atento ao monitor de 24” que me ajuda a enxergar melhor. Uso Linux, o que me remete à rebeldia do mestrado, quando este sistema era uma arma de resistência contra o monopólio do Windows - instalar um Linux era como plantar uma árvore em terreno árido. É prazeroso poder escolher esse sistema, hoje muito mais simples de instalar. Fico feliz com as vantagens dele, sua rapidez, a falta de anúncios a pipocar na tela. Sobretudo, a opção preferencial pelo software gratuito e não proprietário.

Sentado em frente ao computador, abri uma gaveta, me deparando com vários itens que a entulhavam. Dediquei um tempo a organizá-la, colocando muitos papéis inúteis no lixo. Costumo fazer essa mesma faxina com frequência nos arquivos do computador. As gavetas mentais costumam ficar bagunçadas, cheias de informações fúteis. Muitas vezes, sem perceber, preenchemos seus espaços, deixando de aproveitar sua capacidade.

Hoje é fácil passar horas rolando telas, jogando videogame, enfim, toda a sorte de entretenimento. Do mesmo modo, podemos perder tempo “jogando conversa fora” em mesas de bar ou em reuniões vazias. É certo que se deve curtir esses momentos, podemos vivê-los, o segredo é evitar que os mesmos sejam o que ocupa as nossas gavetas.

Um passeio a dois, observando e dialogando sobre a vida ou em um momento com um café. Aquele preparado com ciência. Onde se extrai do pó a sua essência. Aquecendo a água, visualizando nas bolhas a temperatura ideal, derramada, em seguida, sobre o coador em despejos controlados. Enfim, saborear a deliciosa bebida que, um dia, já detestei.

(20/08/25)

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