Wingene

José Eugênio

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Crônicas

Mente presente

A mão sente o peso do toque transparente da asa. O cristalino foca na imagem vibrante do líquido, que evapora ondas bailando em calor. Pernas cruzadas pressionam a panturrilha direita, sensação simultânea ao fumegante sabor que povoa a boca, esquenta o paladar.

Ossos sentados respiram serenos, sem sentir o peso que sustentam, evidente na pele e nos músculos. Do primeiro e longo gole, a íris se move fitando a buganvília rosada. Admirando a beleza enquanto sente o gosto marcante.

Uma melodia doce acompanha o ritual, ditando o ritmo do paciente degustar. A varanda mostra um céu azul que se entorna sobre incontáveis prédios. Construções suntuosas, de janelas e varandas. Abrigando alheios sentidos, xícaras que se esvaziam, mentes que se saciam.

Ao fim dos suaves goles, a sensação se mantém, o gosto de uma mente tranquila. O corpo está pronto para uma caminhada em família. Momento de paz em árvores floridas. Saudável exercício de dezenas de pegadas.

A trilha é tranquila, um tempo que se alonga, contando as passadas. Conversas da vida ressoam em seu tímpano, embaladas pelo som de bicos alados e latidos peludos. Cada volta avista os duros frutos gelados. Verdes e redondos, garrafas perfeitas para sua água, o prêmio da sede.

Saciadas as gargantas, seguem a caminhada, o retorno ao lar. O suor refresca o corpo, que respira observador. A casa os recebe com o tormento da televisão gritante. O poder da atenção plena da aurora se dissipa na cacofonia de vozes e batidas que poluem a audição. O aparelho ligado seduz sua mente, que perde o sossego.

Recolhendo-se na varanda, o físico sente o sol. O ruído se abranda, abrindo caminho para a serena euforia. Avistando o horizonte, a mente acalma. Os neurônios bailam alheios ao sentir e ao pensar. Os prédios respiram, pulsando emoções, de seres conscientes. Nem todos presentes.

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