Relógios e cafés
São onze horas, o trabalho não rende. Recordo do relógio que, dentre três, havia levado ontem para trocar a bateria. Ao contrário dos demais, o caso dele não se resumia à troca. A bateria tinha vazado, sujando toda a máquina. Apesar de ter feito orçamento, quis perguntar para a dona, concluiu-se que valia a pena por ser o mais caro e bonito. Corpo de titânio e por isso muito leve. Resolvo fazer uma pausa e levá-lo, quem sabe na volta as ideias estariam mais frescas. Também tenho um relógio de titânio, mas sua pulseira está torta pelo tempo, a efemeridade que torna o que registra menor que a dimensão medida.
No caminho, passo em uma conhecida cafeteria. Sento ao sol, a gerente, amiga de outros cafés, recomenda um bourbon amarelo. Oferece um macaron. Já tinha ingerido muitos chocolates. Fico só no café. Leio um pouco, o café chega, continuo a ler. Instantes depois, degusto o café. Ao pagar, compro 3 macarons para a minha filha. Coloco-os na sacola onde trazia o relógio, enfiando o mesmo no bolso esquerdo da calça, que sempre fica livre.
Passo na livraria ao lado, pergunto sobre um vendedor, meu amigo. Ainda trabalha ali? Respondem: trabalhar, trabalhar mesmo, não sei, ele fica por aqui. Ele não estava da última vez que comprei um livro. Subitamente, aparece descendo a escada em caracol. Conversamos um pouco, conto da família. Saio feliz, caminhando observador.
Uma pomba com plumagem em tons cinza e branco, bonita, parecendo de raça apurada, ciscava, outra, preta, se banhava na fonte em frente. Vários jatos d’água a jorrar alcançavam alturas variadas. Noto as lojas e árvores, que continuam como ontem, o que mudou na paisagem foram as pessoas e pássaros, carros e motos no frenesi típico da região.
A fonte me obriga a desviar o caminho ligeiramente. Atravesso a avenida com cuidado, do outro lado, a segunda fonte, singela como a primeira. Por perto, gente sentada a conversar, sem ligar para os outros ao redor. Sigo até o destino. Quase chegando, um garoto passa ao meu lado. Pronuncia algo ininteligível em alto som. Me assusto, no entanto, sigo.
Na loja é rápido, o atendente já tinha o orçamento. Pega um bloco, pergunta meu nome e telefone, que dia é hoje? 12/08, eu digo. Anota o dia. Diz que fica pronto na quinta, eu questiono, quinta, dia 14? Você disse que ficaria pronto na segunda, relembro. Ele fala que o relojoeiro havia realmente pedido 3 dias. Então, calcula a previsão de entrega, está certo, fica pronto na segunda, dia 18. Sexta-feira é feriado. Corrige a data de entrega, rasurando o número 14 em 18. Me entrega o canhoto número 1666, que remete ao século XVII, quando era raro o ponteiro dos minutos. Saio da loja com o papel na mão esquerda e a sacola com os docinhos na outra, voltando ao fluxo dos pedestres.
Existem tantas lojas nessa região, praticamente todos os prédios, altos ou baixos, de arquitetura variada, têm em seu térreo uma ampla porta que abriga vitrines e entradas de lojas. Que mudam às vezes, algumas com essa relojoaria já estão ali há muito tempo, trocam-se os ponteiros, mas ela não, tão pouco alguns funcionários que permanecem mais que as mercadorias.
Volto, observando as vitrines, na fonte oposta, vejo três daquelas aves que povoam o ambiente vestidas em tons de cinza e branco, aproveitando a água fria. Será que estavam ali quando passei anteriormente? Das vitrines, passo a olhar os prédios, os cumes baixos e altos, numa variação displicente. Uma sensação boa olhar para o alto.
Ao aguardar para atravessar uma rua, vejo na avenida transversal um ônibus parado, o letreiro revela o destino, a autarquia em que trabalho. Continuo a andar, percorrendo agora uma subida suave, em direção ao meu apartamento. Já vejo o alto do prédio vermelho e branco. Mais uma avenida a atravessar. Freio a minha pressa ao ver um motoqueiro avançando o semáforo, vindo em minha direção. Ele passa como um raio ante meu olhar desaprovador.
Noto grupos de pessoas caminhando, certamente colegas de trabalho, para um almoço conjunto. Na minha rua, a vendedora de panos passa por mim, me cumprimentando sem tirar os olhos do celular. Uma revoada no chão, um mar de pedras e penas cinzas. É raro ver uma pomba branca, alvo símbolo da paz.
Retornando ao lar, as plumagens sem cor arrulham na calçada, caminho até o elevador, a porta se abre, dentro o zelador com uma vasilha de solvente na mão. O cheiro a impregnar a cabine mistura-se ao sabor do café que repousa em minha boca. Chegando, sinto o aroma do almoço. Meu relógio marca 12:00. Um tempo que se esticou. Uma hora que cortou ao meio o dia.
(18/08/25)