Wingene

José Eugênio

🔍 Pesquisa

Crônicas

Manhã de domingo

Acordo em uma manhã ensolarada de domingo. Os tristes dias frios recentes deram lugar ao enérgico calor. Um sabiá canta por perto, reconheço a melodia agradável de seu canto monótono. Ela já se levantara, preparando o café. Torna ao quarto anunciando os pães de queijo que estão saindo do forno. Posso sentir o cheiro da iguaria. Me levanto e vou até a sala de jantar, onde já me espera uma cesta com os saborosos pãezinhos. Para não perder o costume, faço pequenos sanduíches com eles e um queijo comprado na véspera. O pão, recheado com o mesmo queijo da massa, fica ainda mais especial.

Percebo a beleza de poder observar constantemente o que vivo, mantendo os miolos a trabalhar não apenas no que sinto, mas nos planos que faço para o dia. Esse estado de atenção constante mantém meu corpo alerta e realizado.

Minha filha mais nova ainda dorme. Penso que hoje teremos um almoço especial, porque a mais velha, recém-casada, virá almoçar conosco. Esperamos ainda minha cunhada e seus filhos.

Enquanto aguardo o almoço, aproveito para trabalhar nos meus textos. Revisando dois que já havia terminado, mas resolvi melhorar um pouco. O estado de felicidade inunda a minha consciência. Ele é tão inabalável que, mesmo nos dias frios, que podem até ser tristes, marca sua presença. Preenchendo minha mente com boas vibrações, me protege da avalanche de problemas diários.

Sigo escrevendo nesse retângulo de teclas que produz, em uma grande tela, o resultado de meu trabalho. A habilidade em usá-lo vem de tempos remotos, onde as teclas eram mais duras e criavam o resultado diretamente em folhas de papel. As folhas não permitiam apagar e reescrever rapidamente e não contavam com assistentes de correção de ortografia. O ato de revisar, antes trabalhoso, agora é simples. Assim deveria ser a vida, poder retornar a um determinado ponto e reescrevê-la sempre que precisar.

Apesar das amarras em que nos envolvemos, pode-se mudar de rumo. Um sabiá tem ao seu dispor um único repertório e vive feliz com ele. Os humanos, entretanto, podem viver em constante descontentamento ou buscar os motivos que lhe darão a felicidade plena. Na vida adulta, se realizar com o trabalho é essencial, mas ter uma família feliz é o grande desafio.

Enquanto aguardo as visitas, penso nessas coisas sobre a felicidade, sentindo que para superar a rotina de animais, como esse singelo pássaro que continua o seu canto displicentemente, devemos fazer algum esforço. Afinal, um broto não cresce e vira árvore, se não luta para alcançar a luz de que necessita. Minhas filhas têm lutado por esse objetivo, o que me conforta. A árvore precisa de pouco, água, sais minerais, luz são o bastante para crescer, florescer, dar frutos. A vida humana, por outro lado, envolve um emaranhado de competências e responsabilidades, no entanto, nossa alegria pode vir de pequenas coisas, como um sanduíche de pão de queijo com café, uma mistura de sabores, aromas e texturas. Já a felicidade, como estado de espírito único e pessoal, deve ser conquistada.

O sabiá para de cantar, meu sogro cantarola no quarto enquanto escuta o rádio. Ele pede uma água de coco para sua cuidadora. O rádio anuncia o jogo de hoje no Mineirão, dizendo que o mesmo estará lotado. A hora do almoço se aproxima. Saio um pouco, faço a barba e me apronto para esperar a todos. Os zumbidos dos carros na rua aumentam, assim como minha expectativa. Enquanto isso, minha esposa chega e pergunta: o que você está a fazer? Eu digo: escrevendo. Em uma pausa, calço os meus sapatos. Os meus pés estavam descalços e frios. Na concentração da escrita, não dei atenção a eles.

Volto a escrever, um cachorro começa a latir incessantemente. A felicidade não é uma utopia. Podemos viver nesse estado espiritual reconfortante, que nos convida a aproveitar os momentos singelos da vida com mais intensidade. O cachorro para de latir. Quando a energia brilha, a busca cessa e o que temos são os pequenos eventos que a vida nos brinda.

Ouço o canto da asa branca, minha filha mais nova acorda, cumprimentando o avô, com alegria, depois vem até mim e me abraça, as mãos frias não condizem com a ternura do seu coração. O sabor do café ainda repousa em minha boca, enquanto o cheiro da refeição em preparo inunda minhas narinas. A picanha a fritar emite o som característico e emana o aroma da carne que nos espera. Um tempo depois, a mais velha chega, trazendo um pacote de café especial e chocolates, enchendo a casa de vida com sua voz potente. Nos reunimos no cômodo do avô, conversando e ouvindo o seu rádio, que toca músicas típicas de domingo. O almoço é servido, momentos intensos em família, que são só nossos, transcorrem. As visitas se vão e nos recolhemos para descansar. Já passam das dezesseis.

De volta aos meus aposentos, olho para a janela e vejo a asa branca voando. Ela dá voltas no ar, some atrás de um prédio, reaparece e segue seu voo, sumindo no azul infinito, enquanto um coro de rolinhas, bem-te-vis, pardais e outros pássaros descortina o entardecer. De repente, se destaca o canto de um único sabiá, como um regente da sinfonia, que é retomada após sua sútil intervenção.

(10/08/25).

<–