Realidade na mesa de todos
Carlos, Pedro e Marcos são velhos amigos que viveram juntos momentos especiais da juventude. Agora, amadurecidos pelo tempo, têm posições distintas sobre o melhor caminho para a sociedade moderna encontrar seu melhor futuro. Atribulados pelo dia a dia, conseguiram, enfim, marcar um encontro. Marcos chegou alguns minutos mais cedo, procurou uma mesa sossegada, reservando-a para três lugares. Enquanto aguardava, sentou-se e passou a folhear uma revista com uma reportagem instigante com novidades científicas. Ele era um acadêmico e estudava sempre.
Pedro chegou pontualmente e começaram a conversar: — Quanto tempo, meu amigo! Exclamou enquanto Marcos se levantava para cumprimentá-lo. — É mesmo, Pedro, fazem uns 20 anos que não nos vemos. Você continua trabalhando como engenheiro? — Sim, faço projetos de instalações elétricas, mas o mercado está difícil. E você? — Continuo lecionando computação, agora trabalho como voluntário em uma escola infantil também. — Que legal, deve ser muito bacana! — Demais, as crianças são muito afetuosas. — Muito bom poder dedicar tempo como voluntário, o mundo precisa de pessoas assim. Continuaram conversando enquanto aguardavam a chegada de Carlos. Aproveitaram para pedir umas batatinhas e suco para a garçonete.
Pedro comentou: — Aqui no nosso país, esses trabalhadores ganham uma miséria. A distribuição de renda não é justa. Marcos concordou, completando: — Nem me fale, e esses motoqueiros que arriscam a vida por uma entrega? Descontando a gasolina e a manutenção da moto, acabam com quase nada. Precisam fazer várias entregas para garantir o mínimo. Pedro, pensativo, ficou feliz de ver como o pensamento do amigo ecoava em seu íntimo. Instantes depois, Carlos chegou. — Desculpem o atraso, pessoal, estava em reunião com os fornecedores. Marcos se antecipou, dizendo: — Imagina, eu e o Pedro nem vimos o tempo passar, pedimos um tira-gosto, aceita? Carlos tomou seu lugar na mesa. Ele era dono de uma empresa de embalagens e costumava ficar até mais tarde na mesma.
— Carlos, eu e Pedro estávamos falando da injustiça da nossa pirâmide de renda. — Isso não existe, se a pessoa batalhar, ela cresce, quem ganha mais é porque merece. — Vai me dizer que você é contra a ajuda que o governo dá aos mais pobres? — disse Pedro. Nem foi preciso perguntar, o colega ficou um pouco alterado, mostrando-se desconfortável. — Vamos pedir? Eu gostei desse salmão aqui, disse Marcos, quebrando o clima tenso. Os demais passaram a olhar o cardápio, escolhendo os pratos. Fizeram o pedido.
Após algum tempo, refeitos os ânimos. Carlos tomou a palavra, dizendo: — A iniciativa privada é mais ágil e garante sucesso aos que batalham, não precisamos de um estado forte. — Não concordo, sem o estado, muitas necessidades básicas serão deixadas de lado. Ponderou Pedro. — O crescimento da economia resolve isso, a renda aumenta e todos podem pagar pelo básico. Marcos tomou a palavra, dizendo: — Penso que a solução passa por um meio-termo, o estado precisa investir, portanto não pode ser mínimo, no entanto as empresas devem ter seu espaço. Imaginem um mundo em que qualquer pessoa possa comer esse salmão aqui sem comprometer o salário do mês. Por mais que um indivíduo lute para aumentar sua renda, muitos não poderão alcançar um nível salarial digno. Isso é mais que garantir educação e saúde, mas permitir que a economia seja altruísta, dando espaço aos menos favorecidos. Girando também a favor dos que sofrem e não apenas dos que hoje já se beneficiam do sistema. Os outros se entreolharam, Carlos disse: — Isso é utopia.
Marcos continuou: — A perfeição é utopia, mas um mundo mais justo é possível. Não digo que todos aproveitarão as chances, mas a esperança de um futuro digno precisa ser alcançável para todos. Carlos ponderou: — Talvez haja espaço para empresas mais conscientes… Pedro completou: — E um estado mais eficiente… Os três se entreolharam e, pela primeira vez, viram não adversários, mas companheiros buscando o mesmo objetivo por caminhos que podiam, sim, se encontrar. A mente dos dois passou a enxergar as falhas no que defendiam e como poderiam ser complementares.
Enquanto dividiam a sobremesa, o salmão no cardápio já não parecia um prato tão distante da realidade de todos.