Wingene

José Eugênio

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Crônicas 3

Felicidade — singelo trinado

A primeira luz da manhã espelha as cores da alvorada. Aninhado no alto da castanheira, eu corro o bico na plumagem macia do meu peito. Meus parentes sabiás também já estão acordados, ensaiando suas melodias. Pedro é o primeiro a tecer nosso canto original. A família de asas-brancas arrulha, enquanto as maritacas gritam em algazarra.

No asfalto, as carruagens barulhentas dos homens já circulam com faróis brilhantes iluminando seu caminho na tênue claridade matinal. Fora das casas e veículos, esses bichos diversos correm apressados. Sua cacofonia enche o espaço de graves e agudos. Não dá para saber de que família são, sem chamados nem sons que os agrupem.

As maritacas aproveitam as mangas de vez, quando o Carlos pousa bem no alto, espantando o bando, arrulhando solitário, tomando conta da mangueira. Lá embaixo, os humanos continuam a correr. A maioria nem percebe a alegria do passaredo. O Carlos bate asas para outro lugar. Canto chamando a família, voando para um galho. Frutas saborosas reluzem no alto da copa. O doce amarelo alimenta a todos. Satisfeitos, rasgamos o espaço voltando para nosso ninho.

Os homens continuam sua confusão, caminhando ou dentro das carruagens. O sol já está alto. Os cachorros latem a todo momento, no entanto, meu canto suave ora e outra ainda se impõe, marcando instantes. Tranquilo como toda ave, não lembro do ontem, nem temo o amanhã. Levando a vida que só depende do agora — felicidade brota no chamado e floresce no trinado.


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