Wingene

José Eugênio

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Crônicas 1

Aconchego sereno

O cinzento dominava o céu — nenhuma fresta de azul. As copas dançavam. O frio castigava a fronte descoberta. Atenta, a mente buscava ser superior a essas cortantes sensações. Aquele dia sombrio impedia uma atenção mais plena. Caminhando até o mercado, eu avistava lavadores e pedintes. Um deles clamou: — Ajuda no almoço. — Não tenho moedas. Ele disse — faz um PIX. Essas três letras libertadoras tornaram universal o real tupiniquim — Na volta, faço. Perguntei a chave e o nome, desconfiado, disse que eu esqueceria, insisti. Ele falou — repeti em voz alta, dizendo que em 10 minutos ele receberia. Na mente, a chave e o nome — concentração temporária, adiando a busca pela plena atenção. Passadas firmes encontram o destino, produto escolhido, compra finalizada. Retorno para casa, o pensamento presente, a chave e o nome. Associo os números, concentro a memória, mais alguns minutos, o refúgio do lar. Lá estava o celular. A chave e o valor, o nome correto, refeição garantida ao pobre cidadão. Uma memória temporária da mente se esvai.

Enfim no conforto, longe do vento, observo as nuvens, lembro do sofrimento. Caloroso aconchego invade o pensamento. A mente recobra a harmonia. Aquecida a face, cheia de alegria. A valsa agora é nas copas internas. A floresta mental, embalada no fluxo, sente a brisa natural. Valsando suavemente — pulsando a doce seiva do conhecimento. Nas trilhas vastas, no bosque infinito. Sentir e pensar existiam sem incomodar. O frio cortante, o barulho, o grito, no exterior contido. A mente atenta abriu espaço para a real meditação. Aquela alheia à respiração, de olhos abertos. Pensando e sentindo, no íntimo do ser. Alçando voo acima das nuvens, sem deixar o solo e ciente das tristezas. As sensações não machucavam. Sem dores a açoitar, sem pensamentos a castigar. Assim, no sítio da mente, a floresta sentiu o sol, acima do frio das ruas. No sossego do lar, longe do frio, a mente novamente venceu — mas nem todos aquecidos conseguem voar.


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