Wingene

José Eugênio

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Tecendo a vida: criando no íntimo uma obra pessoal

A arte de viver requer aprendizado constante. Compreendendo que os desafios que experimenta servem a um propósito individual, o artista precisa reconhecer que a obra nunca termina. A tapeçaria de reflexões poderá apresentar-se bela ao olhar do criador — uma beleza resplandecente no colorido entrelaçado de suas experiências. Ciente da sua infindável tarefa, sua obra, sua vida, por mais sem sentido que pareça, iluminará seu entendimento com valorosas compreensões sobre o aprimoramento de seu ofício.

A felicidade surge ao descortinar o véu da ignorância ante a beleza da obra-prima que cria a dança da vida. Bailando em um universo multissensorial, cada ser constrói sua criação no confortável sítio da mente. Onde pulsam, muitas vezes despercebidos pelo artista, nobres sentimentos — solidificados com o conhecimento, o tempo e o futuro. Cabe ao artífice da vida aprender a consolidá-los, aumentando sua capacidade criadora, cuidando da galeria de sua obra, não para ser vista, mas para abrigar os valiosos fios tecidos — que se moldam nas vitórias e fracassos, amores e desavenças.

Brincando e fazendo arte

Começando a aprender desde os primeiros anos de vida, o ser humano, mesmo sem saber, já começa a entrelaçar os coloridos fios de sua consciência. Brincando no mundo de fantasia, gradualmente vai formando no seu pequeno pomar mental belas imagens. Rabiscos e aventuras que moldam no seu íntimo uma concepção própria do mundo que o rodeia.

Primeiro com os pais e amiguinhos, posteriormente com professores e colegas de escola, as brincadeiras que lhes são apresentadas acompanham o seu crescimento. Cabe aos mais velhos a responsabilidade de cuidar para que essas sejam instrutivas e colaborem para o desenvolvimento da criança, pois os primeiros anos serão fundamentais.

O artista mirim surge de atividades simples, com lápis coloridos e brincadeiras — surge um mundo de fantasia. Um mundo imaginário de cavalos alados e nuvens de algodão, que deve ser respeitado pelos adultos. No entanto, eles podem, em sensíveis observações, ser um farol de sensatez. Guiando a curiosidade do artista mirim com reais e lúdicas explicações. Assim, o desenho de um cavalo alado em um céu azul servirá a outro propósito — o aprendizado de adultos e crianças unindo a tinta colorida aos fios luminosos da razão.

Atualmente, os desafios para os pais e educadores são crescentes. Crianças nascidas no mundo digital estão cercadas por telas eletrônicas. O estímulo brilhante e realista dessas telas cativa a mente. Além disso, para muitos, é mais fácil deixar os pequenos jogando ou vendo um desenho do que brincar com eles ou ensinar brincadeiras clássicas — brincadeiras sem telas.

É importante evitar essa escravidão digital na infância, mas para isso os mais velhos devem mostrar desapego ao seu poder. A magia digital e a Internet trouxeram o mundo até nós — o que foi ótimo — porém grandes empresas aproveitaram essa tecnologia para aumentar a nossa dependência. Que passou a ser não mais da grande rede, mas dos aplicativos otimizados para nos prender aos seus domínios. Romper as amarras da rede que nos mantém cativos permitirá mostrar aos pequenos o verdadeiro mundo, no qual poderão criar a obra de suas vidas. Uma obra que iluminará com fios reluzentes a humanidade nascente. Criada não com algoritmos, mas com os frutos do conhecimento que brotarão nos pequenos sítios, regadas com o calor do afeto e cultivadas com a magia das brincadeiras.

Incertezas da adolescência

Mas o tear da vida não para, um artista em amadurecimento continua seu trabalho com os fios da vida. Nessa fase, as dúvidas tornam as escolhas mais difíceis. Críticas de colegas e amigos aumentam ainda mais a insegurança do artífice. Inevitáveis comparações se apresentam no convívio pessoal. Como saber se os coloridos fios da infância moldaram um valoroso caráter?

Novamente, a tecnologia e as redes sociais estarão presentes. Deixando, na maioria das vezes, de estimular pontos importantes, para valorizar as aparências e a futilidade. Os algoritmos são responsáveis pelo que os jovens veem. Estimulando postagens narcisistas em detrimento de conteúdos filosóficos. As belas teias coloridas da infância dão lugar aos frágeis fios da incerteza. As cordas do mundo digital amaram o jovem aprendiz com imagens do que é belo e fútil, e os fios das poéticas páginas literárias tornam-se escassos. A obra perde o brilho, permite o crescimento de arbustos que aparentam beleza. Pragas que sufocam as verdadeiras árvores frutíferas, que gestam seu conhecimento.

Na tentativa de se engajar com a maioria, o jovem perde o fio da meada, se enrola no novelo das críticas. Perdendo seu tempo, esquece-se da obra de sua vida. Porém, a base construída desde a infância consegue indicar o caminho, permitindo seguir em frente. Nesse instante, o exemplo de pais, mestres e amigos será uma poderosa força. Composta de cordas ressonantes com as escolhas do jovem artista.

Desafios da vida adulta

Seguindo em frente, a galeria mental já exibe resultados da obra que abriga. Os fios das convicções apresentam indeléveis padrões que moldam a conduta. Avistando múltiplos novelos, matérias-primas para construir futuros, o adulto precisa escolher os que lhe atraem. Dentre eles, na prateleira das vocações, repousam os múltiplos destinos profissionais. Acessar aqueles mais desejados nem sempre é possível. Buscar o ofício almejado pode se tornar uma luta de tentativas frustradas.

A base alcançada desde a infância e a maturidade servirá para definir um rumo. Na luta diária, apesar das lacunas ainda existentes, dos fios quebrados das infrutíferas batalhas, as vitórias aparecem. O aprendizado constante traz novos elementos para o sucesso profissional. De posse de novas cores, o viçoso pomar mental se capacita para vencer esses desafios. Estudando para uma carreira que lhe agrade, o artista pode tecer a história de uma trama nova na obra de sua vida. Uma parte da obra que converse com o todo e que lhe traga o prazer de uma realizadora profissão.

Surgem os primeiros relacionamentos, frutos da busca por um par que ressoe com tapeçaria que da obra em constante construção. Muitas tentativas se destoam, rompem-se laços que pareciam firmes, mas que não ecoavam no ritmo do ser em evolução. Obras parecidas em estilo, mas com outras inspirações.

Tecendo uma vida a dois

A vida ganha outro sentido quando duas cordas ressonantes especiais entrelaçam-se na bela tapeçaria de amor conjugal. Forma-se um casal que sustentará sua força na ação do verbo amar, que, sedimentado no sítio mental individual, tece padrões comuns. Fortes laços do amor consciente, que não tiram a liberdade do artista individual. Os fios da união não devem se embaraçar, tornando-se adições harmônicas à trama original do artista.

Desentendimentos entre o casal — um esquecimento ou uma palavra amarga — são fios quebrados interrompendo a obra conjunta, precisam ser reparados com delicadeza, preservando a pureza original. A nova obra, repleta de elementos de dois artistas, deve manter seu conteúdo inviolável — o que se cria na intimidade do casal não deve ser divulgado, mas preservado da inveja e maldade alheia. Uma tarefa difícil diante do apelo da vida digital, cercada de algoritmos ávidos de exposição.

Guiando uma família, o artista se depara com a complexidade de entrelaçar os fios das responsabilidades em busca de equilíbrio. O pomar mental, agora mais vasto, precisa ser cultivado com sabedoria para que as experiências, sejam elas alegrias ou tristezas, contribuam para o crescimento e a formação de um caráter resiliente. As escolhas se tornam mais definitivas, e o artífice percebe que cada fio entrelaçado na tapeçaria de sua existência é parte de uma obra que impacta não somente a si, mas também o mundo ao seu redor.

Os fios escuros

Na jornada da vida, fios escuros se integram à obra. Não há como evitá-los. São o retrato de tristezas que fazem parte do caminho. Decepções em relacionamentos que deixam um fio de desconfiança, doenças inesperadas que tingem a tapeçaria com a cor do medo. O saudoso fio prateado de um familiar que se despede no último suspiro do bondoso coração. Pode-se pensar que elas não deviam existir, mas a obra ganha força com elas. Reconhecê-las como parte da vida torna o artista mais completo. Estão no seu sítio para contrastar com os coloridos fios, realçando sua beleza. Ela não estaria completa sem esse contraste.

O artífice da vida, com a maturidade, compreende a sua obra em toda a sua amplitude. As experiências passadas, sejam elas alegrias ou desafios, são agora vistas como partes essenciais da tapeçaria. O arrependimento dá lugar à aceitação. A sabedoria floresce, permitindo contrastar os fios luminosos com aqueles mais escuros. Ciente de que ambos contribuem para a beleza do conjunto. Seu sítio mental se torna um jardim maduro, onde as ervas daninhas são podadas com serenidade e as árvores antigas de suas experiências oferecem sombra e amparo, revelando a beleza da narrativa completa de sua existência.

A dança eterna

Cada dia é uma nova oportunidade de entrelaçar fios, de burilar a obra-prima que é a própria existência. O sítio mental permanece em constante transformação, abrigando novas compreensões e novas cores. O artista, ciente de sua infindável tarefa, abraça os desafios e as alegrias, celebrando cada momento com a leveza de uma dança. Que se cria e aprimora a cada passo, a cada respiração, em um universo de infinitas possibilidades. Nesse estado de atenção consciente, a cada movimento a obra se ilumina. E assim, no estado de plena felicidade, percebe que a obra, mesmo inacabada, sobreviverá ao seu criador. Vibrando em harmônica sintonia com a dança dos artistas do passado e do futuro em tonalidades ressonantes com a eterna criação humana.


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