Wingene

José Eugênio

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Crônicas 1

Manhã de domingo

Uma manhã ensolarada de domingo. Os tristes dias frios recentes deram lugar ao enérgico calor. Um sabiá canta por perto, reconheço a melodia agradável de seu canto monótono. Ela já se levantara, preparando o café. Torna ao quarto anunciando os pães de queijo que estão saindo do forno. Posso sentir o cheiro da iguaria. Levanto-me e vou até a sala de jantar, onde já me espera uma cesta com os saborosos pãezinhos. Para não perder o costume, faço pequenos sanduíches com eles e um queijo comprado na véspera.

Minha filha mais nova ainda dorme. Penso que hoje teremos um almoço especial, porque a mais velha, recém-casada, virá almoçar conosco. Esperamos ainda minha cunhada e seus filhos.

Enquanto aguardo, aproveito para trabalhar nos meus textos. Revisando dois que já havia terminado, mas resolvi melhorar um pouco. O estado de graça inunda a consciência. Ele é tão inabalável que, mesmo nos dias frios, que podem até ser tristes, marca sua presença. Preenche o espírito com boas vibrações, me protege da avalanche de problemas diários.

Sigo escrevendo nas suaves teclas que produzem, em uma grande tela, o resultado de meu trabalho. A habilidade em usá-las vem de tempos remotos, em que essas eram mais duras e criavam o resultado diretamente em folhas de papel. As folhas não permitiam apagar e reescrever rapidamente e não contavam com assistentes de correção de ortografia. O ato de revisar, antes trabalhoso, agora flui simples. Assim deveria ser a vida, poder retornar a um determinado ponto e reescrevê-la sempre que precisar.

Apesar das amarras em que nos envolvemos, pode-se mudar de rumo. Um sabiá tem ao seu dispor um único repertório e vive feliz com ele. Os humanos, entretanto, podem viver em constante descontentamento ou buscar os motivos que lhes darão a felicidade plena. Na vida adulta, se realizar com o trabalho é essencial, mas ter uma família feliz é o grande desafio.

Um broto não cresce e vira árvore, se não luta para alcançar a luz de que necessita. Minhas filhas têm lutado por esse objetivo, o que me conforta. A árvore precisa de pouco: água, sais minerais, luz são o bastante para crescer, florescer, dar frutos. A vida humana, por outro lado, envolve um emaranhado de competências e responsabilidades, no entanto, nossa alegria pode vir de pequenas coisas, como um sanduíche de pão de queijo com café, uma mistura de sabores, aromas e texturas.

O sabiá para de cantar, meu sogro cantarola no quarto enquanto escuta o rádio. Ele pede uma água de coco para sua cuidadora. O rádio anuncia o jogo de hoje no Mineirão, dizendo que o mesmo estará lotado. A hora do almoço se aproxima. Saio um pouco, faço a barba e me apronto para esperar a todos. Os zumbidos dos carros na rua aumentam, assim como minha expectativa. Enquanto isso, minha esposa chega e pergunta — o que você está a fazer? — Estou escrevendo. Em uma pausa, calço os meus sapatos. Os meus pés estavam descalços e frios. Na concentração da escrita, não dei atenção a eles.

Ouço o canto da asa-branca, minha filha mais nova acorda, cumprimentando o avô com alegria, depois vem até mim e me abraça, as mãos frias não condizem com a ternura do seu coração. O sabor do café ainda repousa em minha boca, enquanto o cheiro da refeição em preparo inunda minhas narinas. A picanha a fritar emite o som característico e emana o aroma da carne que nos espera. Um tempo depois, a mais velha chega, trazendo um pacote de café especial e chocolates, enchendo a casa de vida com sua voz potente. Nos reunimos no cômodo do avô, conversando e ouvindo o seu rádio, que toca músicas típicas de domingo. O almoço é servido, momentos intensos em família, que são só nossos, transcorrem. As visitas se vão, nós nos recolhemos para descansar. Já passam das dezesseis.

De volta aos meus aposentos, olho para a janela e vejo a asa-branca voando. Ela dá voltas no ar, some atrás de um prédio, reaparece e segue seu voo, sumindo no azul infinito, enquanto o canto do sabiá se mistura ao coro dos pássaros descortinando o entardecer.


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