Cinza vazio
A manhã de primavera é amena, flores multicoloridas povoam o jardim. Uma piscina vazia convida ao mergulho. Sérgio permanece sentado, acompanhado do cigarro. Cada trago precede uma baforada de poluído odor. Sua cabeça está inundada de pensamentos, feitores de sua melancolia. Ele não sente o clima nem a beleza que o cerca. O tempo passa e a fonte da fumaça se consome em cinzas.
No movimento automático, toma o maço e retira o próximo a queimar. O maço se esvazia, no entanto, sua mente continua cheia. Insatisfação com o emprego monótono, brigas sem sentido com os que ama, solidão que corrói sua alma. Sente-se injustiçado, vítima da má sorte, mas no fundo sabe que tem culpa. Cada cinzeiro que seu vício preenche torna-se símbolo do futuro — vida incinerada em chamas dosadas.
Sérgio sai para comprar outro maço. No caminho, um pedinte o aborda: — Me ajuda com o almoço. — Não tenho trocado. Diz, sem olhar para o pobre homem. Retorna impassível, sem notar as cores do trajeto. Sua consciência, limitada às próprias dores, não permite sentir o ar matinal. Seus pulmões enegrecidos ofegam a cada passada.
O novo maço está cheio. A manhã está pela metade. A piscina continua vazia. Sérgio acende outro cigarro, alheio à beleza das árvores e à alegria dos pássaros. Um bem-te-vi pousa no seu jardim cantando, permanece observando por um tempo, depois voa. Sérgio não percebe — nem a chegada, nem a partida.