Wingene

José Eugênio

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Wingene: O futuro da herança ancestral

Wingene: A Herança Ancestral

Criei a palavra Wingene da fusão entre win e gene — vitória e herança. Mas seu sentido ultrapassa o triunfo genético: expande-se na eterna busca pelo significado da vida. Um anseio humano, gravado em fios dourados desde o seio materno.

O homem carrega desde a infância questões que incitam; o eterno aprender é herança ancestral. Mas o conhecimento não é tudo, a vitória se completa na sua prática rumo ao aperfeiçoamento pessoal. A Wingene nunca termina, pois todo instante brinda cores de um novo ideal. Novos triunfos podem alvorecer brilhantes, iluminando o novo ser ante ao que um dia ele foi. Assim, cada dia mais realizado, ele se extasia em plena eudaimonia.

A eudaimonia, do grego eu (bem) e daimon (espírito), representa o florescimento da felicidade — um estado perene e sereno, que nasce das forças internas. Alinha-se ao estoicismo, no qual a alegria vem do interior, sendo firme e sólida. O primeiro passo para esse florescimento é o conhecimento, que conduz ao caminho da evolução pessoal. Apesar de meu ávido desejo de aprender, foi com a Logosofia que esse ímpeto se solidificou, pois encarei com maior seriedade o desafio do aprimoramento moral — objetivo principal da obra de Carlos Pecotche.

Meu conceito de espírito não é metafísico: ele habita o corpo vivente, manifesta-se nos processos biológicos e guarda valores e emoções puras no sítio da mente. A poderosa máquina mental pode parecer, em alguns casos, extrapolar o limite corporal, viajando nas ondas extasiadas das inúmeras conexões neuronais. Mas sua substância é material. Mesmo assim, o mundo que habita em cada mente é uma densa floresta — árvores enraizadas no corpo inteiro que sentem, comandam e pensam. Das raízes às folhas, a floresta é um todo — complexo sistema consciente que dança incessantemente, parecendo por isso ter presença etérea. A mente pode transcender em experiência espiritual sem deixar de ser floresta real.

A herança genética cria as primeiras luzes da mente. Segundo António Damásio: “Os nossos cérebros e as nossas mentes não são tabulae rasae quando nascemos. Contudo, também não são, na sua totalidade, geneticamente determinados. A sombra genética tem um grande alcance, mas não é completa.” Esse legado biológico deve expandir-se gradualmente com a cultura — chave do aperfeiçoamento moral. Assim, o conhecimento saciará o ser, oferecendo-lhe a oportunidade ímpar do triunfo pessoal.

O Caminho: Valores e Ação

Mas como, afinal, tecer essa Wingene no cotidiano? Como transformar herança genética e desejo de transcendência em passos concretos? A resposta está na própria palavra que nos move: VIDA.

Aproveitar a dádiva ancestral é o objetivo maior da existência, e dela extraímos um acróstico que ilumina o caminho: Valores, Imperfeições, Decisões e Atenção.

Valores são os princípios inegociáveis que orientam cada escolha e ação. São a bússola moral que nos mantém fiéis a nós mesmos, especialmente nos momentos de desafio. Eles são o alicerce sobre o qual uma vida íntegra é construída. No entanto, podem estar abafados ou latentes, obstruídos por falhas, sufocados por crenças. Isso permite o crescimento das imperfeições.

Imperfeições compõem a vida: a falta de paciência para brincar com o filho pequeno, a promessa de exercícios abandonada na terceira semana, o orgulho que impede assumir um erro. Sua aceitação impede a busca obsessiva pelo perfeito, a maior inimiga da felicidade. Assumi-las não nos impede de combatê-las. O perfeito é utópico, mas visar o ótimo é fundamental. As imperfeições evidenciam quais valores estão mais fracos. E assim, permitem o aprimoramento diário, polindo as arestas, moldando o caráter. Para isso, entretanto, é preciso decidir mudar.

Decisões nos dão o poder de agarrar as rédeas do próprio destino. Guiados pelos valores, combatemos as imperfeições. Mais do que desejar mudar, é o ato corajoso de escolher enfrentá-las, buscar a cada dia o aperfeiçoamento. São o ponto de partida para atitudes melhores, como a colaboração no lar ou a disponibilidade em ajudar colegas de trabalho. As novas posturas não se cristalizam nos primeiros esforços, visando a meta desejada, deve-se estar ciente de que retroceder e recomeçar faz parte do processo. As decisões orientam o destino, as escolhas e as mudanças.

Atenção, singular e única, acompanha todo caminho consciente. É a arte de viver no agora, percebendo os detalhes, escutando verdadeiramente. Viver o presente em sua riqueza e complexidade, quebrando a rotina do piloto automático. Saber que a mente pode perdê-la não deve ser motivo para deixar de buscá-la, em cada instante da imperfeita jornada. A mente atenta permite não somente perceber as falhas, mas também sentir experiências únicas. Apreciar uma paisagem pode transcender para experiências de pura alegria: a aurora da mente.

Revisar os valores, cientes da imperfeição humana, é importante para orientar as decisões. Pois assim como o ser é imperfeito, também é a cultura. Portanto, erros podem ser fruto de incorretas premissas. Os pilares do método científico e do aprendizado constante são a direção para a mente atenta.

A Aurora da Mente

Quando esse caminho é trilhado com dedicação — quando valores se alinham, imperfeições são enfrentadas, decisões são tomadas e a atenção é cultivada — a consciência pode experimentar o extraordinário.

O azul se espalha pelas moradas de concreto, plantadas, imóveis, diversas na altura e arquitetura. Sob elas, tímidas copas de tom verde respiram e tecem a doce seiva da luz que me aquece. Minha mente tranquila observa; o pulsar sanguíneo é intenso, e os neurônios eriçados trazem a alegria: uma serena euforia. A cor do momento é fugaz, mas permanece viva. Não é preciso o calmo azul, mas apenas a mente atenta — força interna que colore o cinza.

A mente se amplia em instantes de intensa alegria — em experiências radiantes da mente sem pressa, que vive momentos além do comum. Uma grande euforia, contida e serena; um caloroso aconchego como fogo que não queima, persistindo no cinza urbano ou na tranquila pintura, que da seiva emana — os sentidos e os pensamentos não perturbam, a consciência flutua. Nesses momentos, surge um estado de graça — quando sinapses se elevam, pulsando energia.

Sentir essa dádiva é próprio do humano — mas poucos a buscam, presos nas nuvens das obrigações mundanas, o eterno castigo de Sísifo: rolando a mesma pedra todos os dias. Muitas vezes, o peso da rocha cresce com a injustiça social moderna. Isso supera a simples monotonia, tornando-se o cinzento flagelo da maioria. Apesar disso, o brilho da vida pode favorecer a todos, permitindo o despertar da eudaimonia, meta dos filósofos do mundo arcaico — que proclamavam a arte de agradar ao espírito. Hoje o progresso é visível, mas prioriza-se o fútil. Isso encobre uma aspiração universal: florescer a felicidade.

A floresta mental pode bailar nas copas mais altas, favorecendo a serena euforia, onde o corpo é somente o palco dos passos da mente. Basta que estes flutuem no tablado, sem notar a plateia. No conforto do lar, no movimento do trabalho, até em tediosas rotinas, a peça pode seguir. Pois a mente está à espera da deixa da delicada dança — valsa de neurônios em sintonia.

A aurora da mente pode acontecer todo dia, em interlúdios de paz e intensa alegria. São ocasiões memoráveis, de sentimentos pacíficos e pensamentos harmônicos. Não é o vazio de respirações marcadas, mas a dança suave acima do pensar e sentir. Quando a plateia e o palco não perturbam a mente — que se expande, numa grata sensação de ser por si só. Sem o clamor das sensações: somente o baile de um ser consciente. Mas essa experiência não pode permanecer estática — a mente que floresce anseia por expandir-se por meio da criação.

O Poder de Descobrir

A vida se amplia na ação de inventar — Invenire, do latim, que tem como significado literal descobrir. Tomei contato com essa sutileza estudando a biografia de Jorge Luís Borges. O ofício do artista criador não é diminuído se seu trabalho é desbravar, pois buscar soluções permanece um desafio. Explorar novos destinos, navegar no oceano natural. Criar é, portanto, a mais pura fonte da eudaimonia — a felicidade de encontrar a terra desconhecida. Caminhos para obras-primas são sempre descobertas do mundo. As respostas estão no universo, aguardando que mentes criativas as revelem.

Teorias físicas são modelos, a antiga música das esferas — postulada há quase três mil anos — se tornou elíptica com Newton e avançou ainda mais com a relatividade de Einstein. Essa última, por sua vez, cede lugar ao modelo quântico para a explicação da música das partículas — o imenso e o minúsculo, duas soluções que coexistem. A teoria unificadora repousa encoberta, ansiando que o esforço em vislumbrá-la ilumine novas fronteiras da ciência.

Novas filosofias permanecem à espera. Navegadores do mar metafísico procuram respostas, que já existem em continentes inexplorados. Por enquanto, parecem perdidos, ofuscados por soluções cada vez mais ousadas da ciência e por conteúdos de autoajuda que inundam as prateleiras.

Artistas da palavra e do mármore descortinam obras-primas, criações que refletem o indescritível baile de suas mentes. Tecem criações com fios indeléveis do mundo físico, no esforço de explicar as belezas ocultas sob o véu invisível aos olhos alheios. Assim, a humanidade mantém a herança cultural — fruto do natural — que é oferecida às gerações futuras para sua Wingene.

As descobertas seguirão acontecendo, ampliando o conhecimento, operando mudanças no entendimento. Nossa bagagem cultural é o trampolim que permite cada salto — às vezes modesto, outras ousado. A Wingene acontece a cada dia, apesar dos fracassos e da desilusão. A sabedoria natural está presente no universo, aguardando inventores. Nesse exato momento, gestam-se em muitos recantos, porções de saber, ideias brilhantes — faróis para o futuro do humano viver.

Futuro Ancestral

A busca pela eudaimonia nos impele a realizar a Wingene; no entanto, esse objetivo se esvazia na brevidade da vida. No espaço curto da existência, a mente não é capaz de fazer muito. Girar a roda do acróstico V.I.D.A. — alinhando valores, imperfeições, decisões e atenção — pode até guiar a evolução, mas será sempre um passo breve na escala do tempo.

Por que lutar para o aprimoramento se não seremos nós a desfrutar do futuro? A resposta está inicialmente no que teceram nossos ancestrais. Nós devemos ser a base das novas gerações, garantindo o seu futuro. Assim, pode-se pensar em uma *Wingene *coletiva, onde cada geração prepara o terreno para o florescimento de uma sociedade cada vez mais evoluída. Uma humanidade que gradativamente se extasia em plena eudaimonia.

A urgência na dedicação em evoluir é ditada pelo tempo, pois a seiva cultural não irá pulsar para sempre. A vida humana desaparecerá algum dia, depois ruirá também toda a biologia terrestre. Não colonizaremos outros planetas em tempo hábil; até mesmo as máquinas, nossas herdeiras de silício, eventualmente apagarão.

Nosso tempo é contado nas poucas décadas da finita existência. Temos essa oportunidade para descobrir tudo que pudermos. Inventar a cultura e aprimorar a moral não precisa de motivo. Está escrito em nossa herança: a tocha do conhecimento deve seguir iluminando o futuro ancestral — mesmo que essa luz precise atravessar a escuridão total para brilhar outra vez.

Infinitas Cosmogonias

A Wingene coletiva pode parecer inútil no tempo cósmico. Que torna a existência humana um breve instante, um suspiro de vida no tempo universal. Meu olhar para a possível gênese do Cosmos sempre se apoiou na ciência. Ele carecia de aprofundamento. No entanto, o futuro ocaso da vida terrestre e a possibilidade do fim do universo conhecido mudaram meu foco. Minha visão do eterno e do efêmero ganhou, então, novos significados. Primeiro, o efêmero se suavizou no horizonte temporal. Posteriormente, o eterno se cristalizou em infinitas cosmogonias.

A minha cosmogonia reflete uma das postulações científicas mais profundas e radicais, onde um buraco negro pode ter na outra ponta um buraco branco. Como descreve Carlo Rovelli: “Se me acompanhar, chegamos à borda do horizonte de um buraco negro, entramos, descemos ao fundo, onde o espaço e o tempo se fundem, atravessamo-lo, ressurgimos no buraco branco, onde o tempo se inverte, e dali emergimos no futuro.” Nosso universo poderia ser então um buraco branco. Imagino a existência de uma sequência infinita de pares de buracos brancos e negros. A vida pode existir em cada um desses buracos brancos. A dor da perda é mitigada pelo entendimento da eternidade desse ciclo. O possível renascimento de outros universos me leva a crer que o conhecimento é infinito e que, em cada novo ciclo, ele avança ainda mais.

Voltando o olhar para a humanidade, não somos nada mais que três centenas de milhares de anos dentro desses bilhões de anos da existência universal. Pereceremos em breve por negligenciar o ecossistema. A busca por um novo planeta aventada por alguns é utópica e paradoxalmente distópica. Essa imagem parece desesperadora para alguns: o fim da raça humana. No entanto, a vida permanecerá por mais um tempo aqui mesmo na Terra, e estará sempre existindo ou ressurgindo em outras regiões do Cosmos.

A vida que floresceu na nossa nave azul algum dia deixará de existir. A morada da Terra, de infinitos planetas, estrelas e tudo mais, também terá seu fim. Não viveremos de novo, tampouco voltaremos em outra oportunidade. Nosso prazo é o que temos: contado em respirações, no ritmo do coração. Nesse tempo, é possível alimentar a mente criativa, descobrir mistérios, inventar a melodia que ressoa no espaço. Sinfonia da matéria e energia que se espalha e esfria, rumo à máxima entropia, o destino do cosmos: frio e vazio. Para onde irá toda a beleza — os quadros brilhantes da colorida natureza? Esse inevitável futuro não me causa sofrimento, pois enxergo no escuro de buracos massivos, avistando neles negros portais para invisíveis universos — novas cores, outras vidas.

Permanece essa esperança otimista: de que novos inventores descubram sinfonias inéditas — desbravadores de mundos, arautos da Wingene que nunca termina. A mesma que move a nossa existência, movimentos da música que ressoam no eterno — uma sinfonia da finita existência que segue vibrando na vida sem fim.


A vitória da herança que o filho recebe dos pais se constrói no esforço que ele faz para sua evolução — que se completa com o aprendizado cultural. Somente assim, ele pode sentir a experiência transcendente da aurora da mente. Uma vivência única, que não aguarda pelo futuro; no entanto, passar adiante o legado ancestral será motivo de eudaimonia.

A Wingene revela-se assim em múltiplas camadas: no esforço evolutivo individual, na aurora da mente que nos eleva, no poder criativo de descobrir, no legado deixado às gerações futuras, e na esperança cósmica de que o conhecimento ressurja em novos universos. Cada atitude atenta é parte de uma melodia: decisões que superam as imperfeições, valores que moldam o caráter, a vida que compõe linhas de uma sinfonia. Que nossa breve passagem seja mais que simples travessia — compassos que ecoem na música universal.


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