As gavetas mentais
No conforto do meu quarto, sentei-me à beira da cama. Nela, um cobre-leito cinza atravessado por um tecido de linha multicolorido e a blusa de lã verde jogada displicentemente. Ao lado, uma cômoda estreita com objetos variados, dentre eles três porta-retratos que capturam momentos do casal e sua família. Um espelho calado, os computadores sem vida.
Na sala, o ruído estridente da telenovela. Não tenho vontade de assistir a esse cruel melodrama. Continuei escrevendo no meu celular. Pensei na minha esposa a estudar em outro bairro da cidade. Ela gosta da novela, eu sempre digo que é ruim. Às vezes assisto com ela.
Deitei-me de bruços, mantendo a escrita em uma posição mais confortável. O dormitório acolhia outros elementos que deixei à imaginação do leitor recriar. Naquele momento, concentrava-me na escrita. Cerrei a porta, tornando tênue o som perturbante. O cômodo tranquilo passou a ser um refúgio onde o pensamento fluía. A sensação de paz por estar longe do círculo vicioso aumentou.
Das nuvens da rotina surgiu o céu azul do inesperado — aquele que só enxerga a mente consciente.
Passei uma noite tranquila, mas acordei absorto nas monótonas nuvens do cotidiano, ligado no piloto automático. De repente, a conexão com a internet caiu; desconectado, fui impelido a olhar ao redor. Notei-a se preparando para caminhar, aprontei-me e saímos juntos, andando até a praça. Os ipês estavam floridos, algumas flores rosadas caídas decoravam o chão. Formando tapetes que ganhavam vida com o suave vento. Pessoas andavam, outras corriam. O clima era ameno, sem ser frio. Após minutos intensos de conversa e exercício, retornamos para casa.
Do lado da cama, o computador acendeu-se. Passei a fitar o grande monitor, sentindo as teclas que a mente escolhia. O sistema e os programas que povoam a tela foram decisões minhas — pequenos faróis de liberdade que tornam agradáveis as tarefas diárias. A tela é amena, pois não brilham em meus olhos anúncios que distraem a atenção.
Numa pausa para descanso, abri uma gaveta, deparando-me com recibos antigos, cupons vencidos, enfim, incontáveis papéis sem valor ocupando espaço. Dediquei um tempo a organizá-la, colocando o que não importava no lixo. As gavetas mentais também costumam ficar bagunçadas, cheias de informações fúteis. A liberdade na escolha de aplicativos e mídias ajuda a evitar o entulho da mobília mental.
Esse entulho se forma em conteúdos sem importância, que se acumulam em horas rolando telas ou jogando conversa fora. O segredo está em evitar que eles sejam o que ocupa nossas gavetas.
Gavetas que se enchem alegres em um passeio a dois, observando e dialogando sobre a vida — ou em um momento com um café. Aquele preparado com ciência, de onde se extrai do pó a sua essência. Aquecendo a água, visualizando nas bolhas a temperatura ideal, derramada, em seguida, sobre o coador em despejos controlados. Enfim, saborear a deliciosa bebida que, um dia, já detestei.