Relógios e cafés
Onze horas, o trabalho não rende. Recordo-me dos três relógios levados ontem para trocar a bateria. Um deles, ao contrário dos demais, precisava de conserto. A bateria vazou, sujando toda a máquina. Apesar de ter feito orçamento, quis perguntar para a dona, concluiu-se que valia a pena por ser o mais caro e bonito. Bonito, com corpo de titânio, muito leve. Resolvo fazer uma pausa e levá-lo, quem sabe na volta as ideias estariam mais frescas. Também tenho um relógio de titânio, mas sua pulseira está torta pelo tempo, a efemeridade da máquina frente ao infinito da dimensão medida.
No caminho, passo por uma conhecida cafeteria. Sento-me ao sol, a gerente, amiga de outros cafés, se aproxima: — O que deseja para hoje? — Qual café você recomenda? — Temos o bourbon amarelo, está muito bom. — Por favor, traga uma xícara desse. — Aceita um macaron para acompanhar? — Não, obrigado, somente o café. Leio um pouco, o café chega, continuo a ler. Instantes depois, saboreio o café. Antes de solicitar a conta, digo: — Pode embrulhar 3 macarons, vou levar para a minha filha.
Passo na livraria ao lado, pergunto sobre um vendedor, meu amigo. Ainda trabalha ali? Respondem: trabalhar, trabalhar mesmo, não sei, ele fica por aqui. Ele não estava da última vez que comprei um livro. Subitamente, aparece descendo a escada em caracol. Conversamos um pouco, conto da família.
Uma pomba com plumagem em tons cinza, vistosa, ciscava, enquanto outra, toda preta, se banhava na fonte em frente. Vários jatos d’água a jorrar alcançavam alturas variadas. Noto as lojas e árvores, que continuam como ontem, o que mudou na paisagem foram pessoas, pássaros, veículos e motos no frenesi típico da região.
A fonte me obriga a desviar o caminho ligeiramente. Atravesso a avenida com cuidado, do outro lado, a segunda fonte, singela como a primeira. Por perto, gente sentada a conversar, sem ligar para os outros ao redor. Sigo até o destino. Quase chegando, um garoto passa ao meu lado. Pronuncia algo ininteligível em voz alta, me assustando.
Na loja é rápido, o atendente já tinha o orçamento. Diz que fica pronto na quinta. Me entrega o canhoto número 1666, que remete ao século XVII, quando era raro o ponteiro dos minutos. Saio da loja com o papel na mão esquerda e a sacola com os docinhos na outra, voltando ao fluxo dos pedestres.
No retorno da relojoaria, observo as vitrines. Na fonte oposta, vejo três daquelas aves que povoam o ambiente, aproveitando a água fria. Estavam ali quando passei anteriormente? Das vitrines, passo a olhar os prédios, cumes de várias alturas, numa variação displicente. Uma sensação boa olhar para o alto.
Continuo a andar, percorrendo agora uma subida suave, em direção ao meu apartamento. Já vejo o alto do prédio vermelho e branco. Mais uma avenida a atravessar. Freio a minha pressa ao ver um motoqueiro avançando o semáforo, vindo em minha direção. Ele passa como um raio ante meu olhar desaprovador.
Noto grupos de pessoas caminhando, certamente colegas de trabalho, para um almoço conjunto. Na minha rua, a vendedora de panos passa por mim, cumprimentando-me sem tirar os olhos do celular. Uma revoada no chão, um mar de pedras e penas cinzas.
Retornando ao lar, as plumagens sem cor arrulham na calçada, caminho até o elevador, a porta se abre, dentro o zelador com uma vasilha de solvente na mão. O cheiro impregna a cabine, misturando-se ao sabor do café que repousa em minha boca. Chegando, sinto o aroma do almoço. Meu relógio marca 12:00 — um tempo que se esticou. Uma hora sentida em instantes de alegria.